Julho, 2012.
Dia 1º, ateliê 1m2 recebeu Mônica Nador do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube), para uma fala e uma expo relâmpago. O público presente ouviu o relato sobre a ação realizada no alto do Morro da Providência, com a Casa Amarela, na semana anterior. Convidei o JAMAC para vir ao Rio e responder com pintura à pintura imposta pela prefeitura aos habitantes da comunidade que um belo dia amanheceu com várias fachadas pichadas com iniciais da Secretaria Municipal de Habitação, determinando a demolição compulsória das casas.
Dia 24. Recebo um email dos administradores da Bhering falando sobre notificação, intimação, vara, execução, embargo. Em resumo: neste dia, um oficial de justiça começou a entregar intimações de despejo aos locatários. Trinta dias, ponha-se na rua. A fábrica foi leiloada no ano passado, para surpresa de todos, e agora a justiça exige a desocupação em prol do novo proprietário. A lei não garante direitos aos locatários em caso de leilão. Ponha-se na rua.
A ação do JAMAC no 1m2/Casa Amarela intuiu uma relação entre a comunidade da Providência e os artistas da Bhering, que essa recente ordem judicial confirmou. Todos estão à mercê de um novo poder, a parceria público-privada, e da especulação imobiliária. Somos todos parte do precariado, e é importante que nos reconheçamos uns aos outros para fortalecer interesses humanos comuns frente ao capital.
Minha intenção era construir pontes, um primeiro passo para encontro, troca e transformação. Uma ponte bem longa, ligando um agente cultural bem-sucedido da periferia de São Paulo até o centro cultural de uma favela em situação de emergência do Rio. Outra ponte, inscrita na região do Porto Maravilha, para conectar dois pontos que, na época, representavam exemplos bem distintos das rápidas mudanças na zona portuária. Enquanto o Morro da Providência acordou com mais de 800 casas marcadas para demolição e perdeu sua quadra de esportes e eventos, a antiga fábrica da Bhering recebia cada vez mais artistas da zona sul da cidade dispostos a investir em infraestrutura e trabalhar na região. Pareciam ser dois pontos opostos da equação de gentrificação. Mas diante da especulação imobiliária, a comunidade do morro e artistas compartilham a mesma condição de precariedade.
O mecanismo que opera a ordem de despejo é diferente nos dois casos, mas ambos agem com extrema truculência, ignorando fatores subjetivos e culturais, apoderando-se de valores que lhe interessam e destruindo tudo o que fica no caminho. A cidade parece se moldar exclusivamente para o turista, ignorando as necessidades e direitos de seus próprios moradores. É o turismo a única vocação do Rio de Janeiro? Queremos uma paisagem maquiada de clichês?
Em 18 meses, produzi naquele quadrado mais de 80 aquarelas, apresentei uma instalação e recebi projetos de outros artistas em duas exposições, um show, uma performance e uma fala. O 1m2 também se transmaterializou em uma exposição no centro do Rio e numa ocupação em Lisboa. O 1m2 acabará em breve. Já planejo um último evento de despedida, provavelmente à la Galeria Rex. Tragam suas picaretas e amplificadores. A gente sai, mas faz barulho
Fonte: Overmundo